Entrevista: Processos de combate à corrupção deveriam ter prioridade, diz Fernando Comin

Na última sexta-feira (9), o procurador de Justiça Fernando da Silva Comin foi reconduzido ao cargo de procurador-geral do Ministério Público de SC (MPSC) para o biênio 2021-2022. Comin foi eleito pelos pares em março, em candidatura única, com mais de 87% dos votos. 

Para a próxima gestão, ele propõe um trabalho que desenvolva a inovação tecnológica para melhor atender a sociedade, o fortalecimento dos grupos anticorrupção e a instalação de estruturas para otimizar a apuração de crimes cibernéticos. 

Em entrevista à Rede Catarinense de Notícias, o procurador-geral falou sobre esses e outros planos, o envolvimento do órgão na polêmica do lockdown, e a fiscalização do uso de recursos federais pelas prefeituras. Confira:

Rede Catarinense de Notícias – O senhor comandou o MPSC por dois anos. Agora vai ficar mais dois. O que faltou fazer no primeiro mandato?

Fernando da Silva Comin – Em dois anos nós realizamos ou está em andamento 80% dos projetos do primeiro plano de gestão. Só que é inegável que um ano foi tendo que lidar com a pandemia, o que afetou uma série de projetos que dependiam de orçamento e diante da instabilidade, a gente não sabia como ia afetar a instituição, então alguns projetos realmente ficaram para trás. Nós iniciamos no primeiro mandato, e vamos intensificar no segundo, os projetos ligados à inovação tecnológica. Nós aprovamos uma política de inovação, criamos uma estrutura, mas o processo de inovação propriamente vai começar agora, inclusive com a prospecção de produtos de soluções a partir dessas estruturas que foram criadas no primeiro mandato. A gente vai potencializar o uso da tecnologia e os processos de inovação para podermos nos conectar ainda mais com a sociedade por meio de ferramentas que nos viabilizem um contato mais próximo e mais transparência. Essa é uma das áreas que nós vamos investir bastante. Uma outra área que também vai ser um realizado um trabalho de continuidade é a questão do combate à corrupção e a investigação de crimes de corrupção de grande vulto. Nós criamos estruturas como os grupos anticorrupção que estão acompanhando esses crimes em conjunto com os GAECOs e nós pretendemos agora intensificar e incrementar ainda mais essa estrutura. Trazer outros colegas para aderir a esse projeto, e agregar a esse grupo. 

RCN – A eleição foi diferente. Em vez da lista tríplice, o senhor concorreu sozinho. O senhor se sente mais legitimado por isso?

Comin – O resultado deste processo decorre daquilo que nós fizemos nesses dois anos. Nós buscamos fazer uma gestão agregando todos os segmentos institucionais, dando oportunidade para todos, procurando agregar a participação de todos os membros, mesmo aqueles que tenham ideias diferentes as nossas. No plano externo, uma atuação coerente, na atuação da pandemia e nos demais projetos. Isso, sem dúvida, permitiu uma união da classe. Eu vejo essa candidatura única como um reflexo dessa união interna do Ministério Público diante das dificuldades externas. Pela primeira vez na história, pós-88, houve uma eleição com candidatura única. Mesmo assim, com 87 % dos votos da classe. Isso aumenta a nossa responsabilidade. Eu não tenho a menor dúvida. Com humildade e buscando valorizar todo mundo.

RCN – O senhor assumiu o primeiro mandato com foco no combate à corrupção. De lá para cá, o Estado ganhou delegacias regionais anticorrupção e novas leis de combate a esse crime. Como o senhor avalia as estruturas que o Estado tem para combater esse mal?

Comin – O nosso sistema legal poderia ser aperfeiçoado significativamente para gerar um incremento nos resultados contra esse tipo de criminalidade. Não só o sistema legal, como o próprio sistema de justiça. Poderia sofrer algumas mudanças de maneira a que esse tipo de processo, de investigação, de corrupção, tivessem uma apuração prioritária. Muitas vezes um processo de corrupção recebe o mesmo grau de prioridade de um processo de um crime de furto. Isso obviamente não reflete a ordem de prioridades que esse tipo de prática deveria receber do Estado. Muitas vezes em desvios milionários, que acabam prejudicando a saúde, a educação e a segurança. As estruturas de investigação também podem ser incrementadas, embora hoje o Estado de Santa Catarina seja um dos mais bem aparelhados para esse tipo de investigação. O que me parece que falta é uma maior interlocução institucional para coibir esse tipo de prática e uma mudança de ordem de prioridade das instituições. A partir do momento em que nós erigimos esse projeto de combate à corrupção como prioridade, os resultados começaram a aparecer. Nós tivemos uma série de operações, como a Oxigênio [dos respiradores], como a operação que resultou na prisão do ex-presidente da Fecam [Et Pater Filium] e uma série de outras operações surgiram da priorização que geraram efeitos concretos. Acho que além da mudança legislativa e de instrumentos e ferramentas operacionais de investigação, deste tipo de prática o mais importante é mudar o mindset desses agentes de controle, de investigação, de persecução penal, para que haja uma priorização dessas investigações, onde tem recursos escassos para investigações infindáveis. Essa é minha percepção.

RCN – O MPSC esteve no meio de uma polêmica que foi o pedido de lockdown algumas semanas atrás. O senhor acredita que o governo do Estado menosprezou o trabalho do MPSC? Qual a avaliação da disputa judicial?

Comin – Ao longo de todo o processo da pandemia o MPSC sempre desenvolveu sua atuação de maneira muito coerente tendo em vista um princípio. A observância da análise técnica , das evidências científicas, e análise do corpo técnico para tomada de decisão. Isso foi inclusive objeto de recomendação que o MP fez ao Estado que todas as ações de controle da pandemia fossem amparadas nas recomendações do corpo técnico. Só que a gente sabe que as recomendações do corpo técnico, que estão amparadas no cenário epidemiológico, muitas vezes recomendam medidas restritivas que vão causar impactos econômicos. O MP nunca deixou de reconhecer a importância de que essas medidas restritivas fossem acompanhadas de programas de auxílio e recuperação de micro e pequenas empresas, e facilitação de acesso ao crédito, medidas compensatórias, vamos assim dizer. Em relação a ação que o MP postulou o lockdown, essa ação estava amparada num parecer dos médicos que compunham o próprio órgão técnico do Estado. Nós entendemos as dificuldades políticas do governo ao adotar determinadas medidas, sobretudo diante das circunstâncias políticas atuais, mas o MP continuou sendo coerente com aquilo que defendeu desde o início da pandemia. A nossa atuação não se restringiu para ação de medidas restritivas por 14 dias. Nós tivemos ações para obter desconto e assegurar aos pais descontos nas mensalidades escolares, ações buscando regularizar os estoques de sedativos e bloqueadores neuromusculares que são importantes para os pacientes que estão intubados, nós lutamos por uma prioridade das aberturas das escolas, instauramos diversos procedimentos para acompanhar o ritmo da vacinação, destinamos para o Estado mais de R$ 15 milhões para combate da pandemia. Foram ajuizados neste período mais de 4,5 mil procedimentos em todo o Estado só envolvendo o tema Covid. O próximo passo vai ser um programa de fiscalização rigorosa dos repasses da união aos municípios.

RCN – Circularam nas redes sociais imagens do senhor e do seu salário durante esse período. Esse material chegou ao seu conhecimento?

Comin – Chegou. Eu entendo que é natural, primeiro, nenhuma decisão neste ambiente tão polarizado e dividido que a questão da pandemia vai agradar a todos. O Ministério Público agiu de maneira coerente e o posicionamento não agradou uma parcela que se sentiu prejudicado. Os ataques pessoais têm o único objetivo de desviar o foco da discussão. As informações que circularam não são verídicas no sentido de que aquele valor que foi apontado seja o meu salário mensal. Eu, de fato, tenho um bom salário. Passei num concurso público extremamente concorrido. Ataques pessoais servem apenas para tentar desacreditar aquelas pessoas que estão buscando cumprir seu papel constitucional. A questão do salário dos servidores públicos pode ser discutida mais para frente, sem misturar com a questão da pandemia. Não se pode negar que o MP é um órgão além de recuperar valores significativos para os cofres do Estado, o MP é uma das poucas instituições autossuficientes no sentido de trazer para o Estado o volume de recursos correspondentes ao seu orçamento, com base em ações de recuperação fiscal, de recuperação de créditos tributários. O MP age de maneira a buscar um equilíbrio no controle da pandemia, mas também leva em conta as consequências econômicas. Nós buscamos ações para proteger os micro e pequenos. Quem pensa que a vida do promotor de justiça foi facilitada durante a pandemia está muito enganado. Nunca o MP trabalhou tanto.

RCN – O senhor falou sobre a fiscalização de municípios e dos repasses federais. Como isso vai funcionar?

Comin – Nós vamos criar um programa do nosso Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa [CMA] e vamos propor com envolvimento de outros órgãos de controle, como por exemplo o Tribunal de Contas [TCE], no intuito de fazer uma varredura, uma espécie de uma auditoria, em todos os repasses que foram feitos da União aos municípios que deveriam ser aplicados em ações de combate à pandemia e muitas vezes estão sendo usados para pagar folha, para construir asfalto, pagar publicidade, enfim, estão sendo empregados com desvio de finalidade. Essa é a nossa ideia e a gente pretende realizar isso agora já nos próximos dias com uma ação que vai analisar os repasses por volume de repasses. Esse vai ser o critério.

RCN – Alguma mensagem aos catarinenses?

Comin – A mensagem de que eu gostaria de fazer o encerramento é de que o Ministério Público, assim como todos nós, aprendeu muito durante a pandemia. Nós estamos diante de um mundo diferente. Um mundo pós-pandemia vai exigir uma reconstrução total da nossa sociedade e com novos valores e prioridade na vida das pessoas e nas instituições. O MP vai buscar interpretar essas necessidades e interferir promovendo entregas que verdadeiramente façam sentido na vida das pessoas.

Foto: Rodolfo Espínola / Agência AL