30 de outubro de 2025

Carnaval, violência e um toque de recolher que perdeu o sentido

policia

A violência policial no Carnaval segue repercutindo nas redes sociais. Há um grupo que defende a ação sem compreender a gravidade das cenas. Muitos que apoiam esse tipo de intervenção não estavam no local e não percebem que essa mesma força pode, a qualquer momento, se voltar contra eles em outras situações do dia a dia. Não é possível validar uma ação sem compreender os riscos reais que ela representa para a segurança pública.

Do outro lado, estão as pessoas que sofreram as agressões ou ficaram chocadas com os vídeos que circulam nas redes sociais e repercutiram na imprensa nacional, arranhando a imagem de Florianópolis como destino turístico e Carnaval seguro e da Polícia Militar como instituição responsável pela segurança.

Uma operação cara e desproporcional, realizada antes do previsto toque de recolher — que deveria começar às 2h da manhã —, envolveu o apoio de um helicóptero em missão noturna e o uso de força, tiro com bala de borracha e gás lacrimogêneo para dispersar os foliões. A ação indiscriminada contra a população representa um desperdício de dinheiro público e um risco desnecessário aos próprios policiais, que se expõem a operações dessa magnitude e a um modus operandi questionável. Aplicar força de forma desproporcional em ambientes abertos compromete a segurança de todos, inclusive dos policiais.

Uma cena registrada na imagem que circula nas redes sociais e repercutiu na imprensa nacional ilustra bem essa realidade: um policial, em trajes táticos e segurando um cassetete, utiliza spray de pimenta contra dois foliões que apenas transitavam na via pública. O flagrante, capturado em Florianópolis, demonstra o uso indiscriminado da força contra cidadãos que, aparentemente, não apresentavam qualquer ameaça iminente. Esse tipo de abordagem reforça o questionamento sobre a real necessidade e proporcionalidade das operações conduzidas durante o Carnaval.

A população quer segurança. Provavelmente, os policiais também buscam o reconhecimento de seu trabalho e dignidade, mas as ordens que recebem vão de encontro ao que mais almejam: honrar a Corporação da qual fazem parte e cumprir a missão com mérito. São seres humanos de ambos os lados de uma batalha que não deveria existir.

A justificativa para o toque de recolher às 2h da manhã é evitar a escalada da violência após esse horário, com base em registros de carnavais anteriores. No entanto, entre as evidências estatísticas e os fatos de violência policial no Carnaval de 2025, bem como em anos anteriores (já analisados nesta coluna), o propósito da restrição perde o sentido, pois a violência se concretiza pelas ações daqueles que deveriam proteger a população. E a responsabilidade não é da corporação ou dos militares que apenas cumprem ordens, mas do gestor público que determina as normas e permite que a população seja agredida por quem deveria resguardá-la.

Aos foliões que seguiram para o Centro de Florianópolis e para outros locais da ilha — já que também há relatos de violência policial em regiões como a praia da Barra da Lagoa —, a recomendação era: proteja seu celular, o cartão do banco e não dê bobeira, mas, sobretudo, evite locais onde há policiais reunidos, pois há riscos de confronto, mesmo sem qualquer provocação ou ato ilícito.

A sensação de insegurança e impotência é surreal para quem analisa os dois lados da moeda, mas compreende que há um “código de conduta” e um modelo mental que legitimam esse tipo de ação. Sob essa ótica, a vítima não é apenas quem levou um tiro de bala de borracha, apanhou com o cassetete ou foi atingido por spray de pimenta no rosto – todos financiados com dinheiro público, mas também a imagem dos gestores que permitem operações como está e normalizam que foliões sejam tratados como bandidos, mesmo antes de descumprirem a lei do “toque de recolher”.

O policiamento ostensivo tem o papel de garantir a ordem, não de ser a causa da violência. Se, para impor um toque de recolher sob o pretexto de evitar conflitos, é necessário recorrer à força desproporcional e à repressão, então a medida não apenas perde sua justificativa, mas se torna parte do próprio problema que deveria

Por Janine ALves – Economista (CORECON 2420-1) e Dra Eng. e Gestão do Conhecimento

Foto: Policial joga spray de pimenta em dois jovens que caminhavam na via pública em Florianópolis / Crédito: reprodução.