Pedido de impeachment é uma agressão às eleições de 2018, diz procurador-geral
Alisson de Bom de Souza aponta ‘indevida politização’ na representação contra Moisés e diz que ‘não há sustentação jurídica mínima para a abertura do processo’
O procurador-geral do Estado, Alisson de Bom de Souza, subiu o tom em defesa da legalidade da equiparação salarial dos procuradores do Estado com os procuradores da Assembleia Legislativa (Alesc) e da fragilidade jurídica do pedido de impeachment que tramita no Parlamento. Segundo ele, “não há sustentação jurídica mínima para a abertura do processo” e o autor do pedido, defensor público Ralf Zimmer Junior, agiu “claramente com intenções políticas”. Souza diz que o processo é uma agressão às eleições de 2018, ao voto popular, e inaceitável do ponto de vista jurídico e político.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) é peça central no impasse político entre governo e Alesc. Os procuradores foram os beneficiados com a chamada verba de equivalência que visa igualar os subsídios dos profissionais do Executivo com os do Legislativo. O pagamento foi suspenso em maio por decisão do pleno do Tribunal de Contas do Estado (TCE), mas sua autorização e realização são a base do pedido de impedimento contra o governador Carlos Moisés da Silva, a vice Daniela Reinehr, e o secretário de Administração, Jorge Eduardo Tasca.
“Essa questão da paridade remuneratória dos procuradores do Estado com os procuradores da Alesc é uma questão eminentemente jurídica e judiciária, tem sido discutida no âmbito de órgãos de controle e do Poder Judiciário. Trazer isso como um eventual crime de responsabilidade é algo que não ajuda porque não há sustentação jurídica mínima para a abertura do processo”, afirmou.
Na argumentação, Souza cita três fatores fundamentais para atestar a legalidade. Um deles é de que o artigo 196 da Constituição Estadual garante a paridade remuneratória, inclusive aos profissionais da Assembleia, o que sustentaria a legalidade do reajuste. Outro ponto é que a Procuradoria da Alesc rejeitou o primeiro pedido de impeachment, apresentado em janeiro, por falta de indícios sólidos de irregularidade. Uma terceira razão aponta para a inexistência de fatos novos do primeiro para o segundo pedido.
Na representação contra Moisés, Daniela e Tasca, Zimmer Junior reafirma a crença de que a equiparação é ilegal, entre outros motivos, porque na defesa ao primeiro pedido os acusados alegaram o cumprimento de decisão da Justiça. Segundo o autor da denúncia, essa ação seria ilegal. Ele cita ainda a decisão do TCE de suspender o pagamento e outra do TJSC, que barra a quitação dos valores atrasados.
“As alegações são de que houve uma decisão cautelar do TCE e um despacho do TJ, mas esses não são fatos novos a respeito da paridade. Não houve novidade fática. O mesmo ato ocorrido em outubro de 2019 [quando iniciou o pagamento] continuou exatamente igual, só que agora o parecer da Alesc trouxe essa questão de fatos novos que não existe”, diz o procurador.
RCN – A PGE emitiu uma nota em que acusa o processo de “indevida politização”. Não houve qualquer embasamento jurídico na sua análise?
Alisson de Bom de Souza – Essa questão da paridade remuneratória dos procuradores é eminentemente jurídica e judiciária. Ou seja, tem sido discutida no âmbito de órgãos de controle e do Poder Judiciário. Essa politização, trazer isso como um eventual crime de responsabilidade, é algo que não ajuda porque não há sustentação jurídica mínima para a abertura do processo de impeachment. Ou seja, uma agressão às eleições de 2018, ao voto popular, e isso é inaceitável do ponto de vista jurídico e político. Nós entendemos que esse fato da paridade remuneratória não tem nem de longe a capacidade de retirar do poder um governador e uma vice-governadora eleitos pelo povo. O impeachment tem um carácter político, mas ele deve estar baseado minimamente numa sustentação jurídica e nesse caso não existe.
RCN – Mas o parecer da Procuradoria da Alesc diz que há esse embasamento. Porque existe essa disparidade?
Souza – Em fevereiro de 2020, a mesma Procuradoria da Alesc afirmou categoricamente que não havia razões para a abertura do processo de impeachment. O presidente da Assembleia acatou e entendeu pelo arquivamento. O que aconteceu de lá para cá? Quais são os fatos novos? Não houve nenhum fato novo a respeito da paridade remuneratória. As alegações são de houve uma decisão cautelar do Tribunal de Contas e um despacho no âmbito no Tribunal de Justiça, mas esses não são fatos novos a respeito da paridade. No caso do Tribunal de Contas, é uma interpretação que o Tribunal deu à situação. Não houve nenhuma novidade fática. O mesmo ato ocorrido em outubro de 2019 continuou exatamente igual. Só que agora o parecer da Assembleia Legislativa trouxe essa nova questão de fatos novos que não existe. O que está acontecendo é uma violação ao bis in idem. Ninguém pode ser acusado duas vezes pelo mesmo fato. Isso já foi avaliado no âmbito da Assembleia no início do ano. Isso do ponto de vista jurídico não é possível. É algo que não pode ser aceito e dentro de um estado democrático de direito.
RCN – Também na linha da irregularidade, o TCE suspendeu o pagamento. Se ele é legal, porque houve suspensão?
Souza – O Tribunal de Contas do Estado exarou uma medida cautelar, que é uma decisão provisória, que ainda pode ser modificada. O que é fato? É o artigo 196 da Constituição Estadual. Esse artigo garante a isonomia remuneratória entre procuradores dos poderes do Estado. É uma norma da Constituição do Estado. Esse artigo é o que garante essa paridade remuneratória que vinha sendo aplicada desde sempre, inclusive com sucessivas decisões judiciais transitadas em julgado. Além de um mandado de segurança coletivo que garantiu a aplicabilidade deste artigo 196. Por isso é que a nossa visão é que a decisão tomada no âmbito da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria de Estado da Administração em outubro de 2019 foi a decisão correta de dar a aplicabilidade de restabelecer a paridade prevista num dispositivo da Constituição Estadual. Esse mesmo artigo é utilizado para conferir o aumento remuneratório dos procuradores da Alesc. Para os procuradores da Alesc isso ocorre, mas para os procuradores do Estado não é possível? O artigo é 196 é válido, gera efeitos, nunca foi revogado, e nunca foi declarado inconstitucional pelo STF.
RCN – A PGE virou peça central no imbróglio político. Como está o sentimento dos procuradores?
Souza – A nossa indignação ela existe. Nós temos convicção na tese que defendemos, de que tudo isso será resolvido, esclarecido. Ao fim, ao cabo, a verdade ficará estabelecida. É importante que se diga que essa politização indevida de um assunto, que é eminentemente jurídico, é inadequada. Especialmente num momento em que Santa Catarina vive uma pandemia, numa estratégia de enfrentamento ao Coronavírus, de retomada do crescimento econômico. Santa Catarina não merece isso.
RCN – Houve conversa com o governador Moisés para discutir o objeto do pedido de impeachment?
Souza – Eu posso lhe dizer uma coisa, o governador Moisés tem convicção a respeito da total ausência de justa causa e de fundamento jurídico para esse processo de impedimento. O governador não praticou nenhum ato decisório a respeito desse assunto. E a gente precisa que haja justa causa. Como não existe justa causa esse processo não pode perdurar. Nós confiamos no Parlamento, nas instituições. Não temos dúvida de que os deputados e deputadas não vão permitir que ocorra a votação favorável ao impedimento do governador e da vice-governadora.
RCN – O autor do pedido é de área jurídica. Se ele conhece os argumentos que o senhor apresentou, então agiu de má fé?
Souza – O autor do pedido atua claramente com intenções políticas e não com razões jurídicas bem fundamentadas. A politização disso já nasce desde o pedido. Obviamente do ponto de vista jurídico pode haver interpretações do aspecto jurídico, mas o importante é que o artigo 196 é válido, eficaz, e gera efeitos e isso foi reconhecido por decisões judiciais transitadas em julgado. Infelizmente o autor do pedido trouxe uma série de ilações que não são verdadeiras, mas que o tempo vai se encarregar de esclarecer. O que a população de Santa Catarina tem que ter clareza é de que a paridade salarial é algo ocorre correto, válido e legal.